domingo, 21 de fevereiro de 2010

Doutrina - Execução da sentença homologatória de transação ou de conciliação com obrigação pecuniária

Execução da sentença homologatória de transação ou de conciliação com obrigação pecuniária


O processo civil foi objeto de profundas modificações nos últimos anos. De fato, vários projetos de leis foram aprovados, com o escopo de modernizar o instrumento da atividade jurisdicional. Dentre os diversos diplomas normativos aprovados, grande relevância pode-se conceder para a Lei n. 11.232/05, que, dentre outros aspectos, modificou o procedimento de cumprimento de sentença.
Questão que merece análise, nesse contexto, é a relacionada ao cumprimento da sentença que homologa a transação ou a conciliação realizada entre as partes. Realmente, na praxe forense é comum observar a realização de acordos entre os litigantes para por fim aos processos judiciais. Ademais, nos termos do art. 125, inc. IV, do CPC compete ao magistrado "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes".
De toda sorte, uma vez homologado eventual acordo entre as partes, caso o mesmo não seja cumprido, haverá azo à atividade jurisdicional executiva. Por outras palavras: caso não seja honrado o acordo celebrado pela parte, o prejudicado poderá requerer ao juiz que seja encetada a atividade de realização, de concretização do direito que foi reconhecido na sentença que homologou o acordo.
Neste ensejo, pretende-se realizar uma digressão sobre os diversos aspectos relacionados ao cumprimento da sentença homologatória de acordo que contemple obrigação pecuniária.

A sentença homologatória de conciliação ou de transação como título executivo judicial

Reza o art. 585, inc. III, do Código de Processo Civil que constitui título executivo judicial "a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo". Insta registrar que a conciliação e a transação não se confundem. A primeira é realizada perante o magistrado, que exerce influência em relação às partes. Já a segunda é realizada na esfera extrajudicial, mas é levada, num segundo momento, para ser homologada por parte do magistrado. Em ambas as situações, de toda sorte, já há litispendência.
É importante registrar, da mesma forma, que a conciliação e a transação podem versar sobre matéria não posta em juízo pelo autor. O autor, embora seja o responsável por estabelecer o limite da demanda na peça vestibular, poderá realizar um acordo com a parte ex adversa que verse sobre matéria não constante da sua peça exordial.
De qualquer sorte, o limite para a aplicação pelo magistrado do art. 585, inc. III, do CPC é a competência em razão da matéria. Não pode, com efeito, o juiz homologar um acordo que verse sobre matéria não posta em juízo pelo autor se não tiver competência ratione materiae. Um juiz da vara cível, por exemplo, não pode homologar acordo que verse sobre questão cível e, também, trabalhista.
Quadra registrar, ainda, que o art. 585, inc. V, do Código de Processo Civil esclarece ser título executivo judicial "o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente". O preceptivo pouco se difere do inciso III do art. 585 do CPC, dantes mencionado. De todo modo, a principal diferença apontada pela doutrina é que, na hipótese do inciso V, do art. 585 do CPC não há ação ajuizada, enquanto na situação prevista no inciso III, do art. 585 do CPC já há uma ação em curso.

Procedimento a ser adotado para execução do acordo homologado judicialmente

Indaga-se sobre a forma de execução da sentença homologatória do acordo que contemple obrigação pecuniária não cumprida pelo devedor. In casu, aplica-se o rito do art. 652 do Código de Processo Civil, com a concessão do prazo de três dias para realização do pagamento, sob pena de penhora? Ou, então, o rito do art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil, com a concessão do prazo de quinze dias para pagamento, sob pena de incidência de multa de dez por cento do valor da condenação?
Na doutrina há quem sustente que o rito do art. 475-J, caput, do CPC, bem como a possibilidade de aplicação da multa de dez por cento do valor da condenação somente seria aplicável nos casos de sentença condenatória. Com efeito, o art. 475-J, caput, do CPC faz referência ao devedor "condenado ao pagamento de quantia certa". De acordo com essa vertente, como na sentença que homologa o acordo não há efetivamente condenação, mas tão-somente declaração de validade do que foi entabulado pelas partes, não seria aplicável o rito de cumprimento de sentença do art. 475-J do Código de Processo Civil.
Não vislumbro, particularmente, qualquer impossibilidade na utilização do rito do art. 475-J, caput do Código de Processo Civil para obter-se a execução do acordo que foi homologado. O fato de o art. 475-J, caput do CPC fazer referência à condenação em nada impede a execução do acordo homologado pelo rito nele previsto. Realmente, seria demasiado formalismo não se admitir a execução do acordo homologado pelo rito de cumprimento de sentença tão-somente pela menção no dispositivo a devedor "condenado".
Ora, o acordo homologado judicialmente constitui-se em título executivo judicial. E, como tal, deverá ser executado da mesma forma que os demais títulos executivos judiciais, isto é, pelo rito previsto no art. 475-J, caput, do CPC. Não me parece razoável, pelo mero fato de o preceito acima mencionado fazer referência à condenação, não se admitir a execução do acordo homologado pelo procedimento do art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil.
Ademais, em nenhum momento o art. 475-J, caput do Código de Processo Civil proíbe a execução pelo rito nele previsto do acordo homologado judicialmente! Não havendo proibição expressa no texto legal, não me parece razoável deixar de aplicar o rito mais moderno e mais célere do citado preceito para a execução da sentença que homologa acordo.
A perspectiva instrumental do direito processual também conduz a essa conclusão. Não se pode mesmo admitir que a execução de uma sentença condenatória, oriunda da resolução de uma lide, seja diversa da execução de uma sentença que homologou um acordo celebrado entre as partes! Ambos os provimentos são ontologicamente idênticos; na essência, ambos são provimentos que resolvem o mérito da demanda. É o que se pode intrujir do disposto nos incs. I e III, do art. 269, do CPC.

Termo a quo do prazo de quinze dias previsto no art. 475-J, caput do Código de Processo Civil
O acordo homologado judicialmente, caso não seja cumprido, deverá ser executado. Como registrado alhures, o procedimento a ser adotado para essa situação é o previsto no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil. Indaga-se, contudo, sobre o termo inicial de fluência do prazo de quinze dias, previsto no citado preceptivo, para realização do pagamento.
Insta esclarece que o devedor terá, em princípio, o prazo entabulado entre as partes para que possa efetuar o pagamento. Caso não seja realizado o cumprimento da obrigação no prazo acordado, o credor deverá requerer a execução da sentença homologatória do acordo na forma do art. 475-J do Código de Processo Civil. Esse requerimento é uma simplex petita e não uma ação de execução.
O devedor, então, será intimado para realizar o pagamento da importância estipulada no acordo, no prazo de quinze dias, sob pena de, não o fazendo, incidir multa no importe de dez por cento do valor pactuado. Note-se que a intimação é para que o executado cumpra o acordo em quinze dias, sob pena de incidência da multa legal. Nem se argumente que a intimação é desnecessária, porquanto o executado já tinha conhecimento da obrigação. É que a intimação deverá ser realizada não para ciência da obrigação, mas sim para que haja a incidência da multa prevista no art. 475-J, caput do Código de Processo Civil.
Caso o executado não cumpra a determinação prevista no mandado de intimação, deverá o magistrado ordenar, desde logo e a requerimento da parte, a realização da penhora on line. Tal penhora é realizada por meio do sistema BACENJUD e encontra espeque nos arts. 655, inc. I e 655-A do Código de Processo Civil. Caso não se logre êxito na referida penhora, poderá ser utilizado o sistema RENAJUD, para o fim de ser penhorado eventual veículo que seja de propriedade do executado.
De qualquer sorte, não havendo êxito na realização das penhoras mencionadas, deverá ser expedido o mandado de penhora e de avaliação. Note-se que não haverá nova intimação, sendo expedido, desde logo, mandado para o fim de serem constritos bens do devedor. Em seguida, a execução prosseguirá com a prática dos atos expropriatórios.

A possibilidade de cobrança da multa de 10% prevista no art. 475-J, caput do CPC com a multa estipulada no acordo judicial

Outra questão oportuna a ser analisada refere-se à incidência da multa de dez por cento, prevista no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil, cumulativamente com a multa eventualmente fixada no acordo entabulado entre as partes. Por outras palavras: caso as partes tenham estipulado no acordo uma multa pelo não cumprimento tempestivo da obrigação entabulada, haverá algum óbice na cobrança da multa do art. 475-J, caput, do CPC?
Cite-se, como exemplo, situação na qual as partes tenham chegado a uma composição do litígio, estabelecendo a obrigação de uma delas em adimplir a importância de cinco mil reais, no prazo de dez dias. E, para a situação de não cumprimento da obrigação, tenham as partes estipulado uma cláusula penal de vinte por cento do valor da obrigação principal.
Diante dessa situação, não havendo cumprimento da obrigação, poderá o credor cobrar o valor do principal mais a multa de vinte por cento, sem prejuízo da cobrança da multa de dez por cento, prevista no art. 475-J, caput do Código de Processo Civil? Por outras palavras: é possível cumular a cobrança da cláusula penal entabulada no acordo que foi judicialmente homologado com a multa de dez por cento do art. 475-J do Código de Processo Civil?
Não há qualquer óbice na cobrança das duas multas: a relativa à cláusula penal e a relativa ao art. 475-J do CPC. Na verdade, uma multa não exclui a outra. De fato, as origens das multas são diversas: uma tem origem no encontro de vontade das partes e a outra decorre ex lege, ou seja, tem origem no texto legal. A primeira tem natureza indenizatória, enquanto a segunda, tem natureza punitiva. Desse modo, considerando-se a diversidade da origem de cada uma das multas, nada obsta que ambas sejam cobradas.
É importante registrar, de qualquer sorte, que há orientação na doutrina no sentido da não aplicação da multa do art. 475-J, caput do Código de Processo Civil nos casos em que já há previsão de cláusula penal no acordo entabulado pelas partes e homologado pelo magistrado. A jurisprudência, contudo, é no sentido da inexistência de bis in idem na cobrança da multa pactuada pelas partes, a título de cláusula penal, com a multa do art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil.

Considerações finais

Como visto alhures, a sentença que homologa a transação ou a conciliação, ainda que verse sobre matéria não posta em juízo pelo autor da demanda, constituirá título executivo judicial. Não cumprido o acordo homologado pelo magistrado, o prejudicado deverá provocar o Judiciário para que seja inaugurada a fase executiva.
A sentença que homologou a conciliação ou a transação e que vier a estabelecer alguma obrigação pecuniária será executada pelo rito previsto no art. 475-J do Código de Processo Civil. Desse modo, caso não seja cumprido o acordo na data aprazada, poderá o credor requerer a intimação do devedor para cumprir a obrigação no prazo de quinze dias, sob pena de, não o fazendo, incidir multa de dez por cento do valor pactuado.
Reitere-se que a multa do art. 475-J, caput do Código de Processo Civil não afasta a incidência de eventual multa contratual estabelecida no instrumento de transação ou de conciliação. É que as referidas multas têm origens distintas: a primeira decorre ex lege, enquanto a segunda tem origem no encontro de vontades dos litigantes. Não há, pois, bis in idem.
O magistrado deve facilitar ao máximo o processamento da execução de sentença que homologou a transação ou a conciliação. De fato, neste caso, não se pode olvidar que o direito do credor foi reconhecido pelo próprio devedor e de modo voluntário! O princípio constitucional do acesso à justiça, nesse particular, demanda do magistrado uma postura que se afaste do formalismo, de sorte a conduzir o processo pautando-se na máxima efetividade da jurisdição, rechaçando, assim, os eventuais incidentes procrastinatórios causados pelo executado.

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