quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Doutrina Alimento Gravidico

ALIMENTOS GRAVÍDICOS - DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS
INTRODUÇÃO
A irresponsabilidade masculina era apoiada pela legislação pátria, que blindava os homens contras as ações de alimentos no período de gestação, quando não houvesse casamento ou união estável entre o suposto pai e a mãe do nascituro.
É certo, pois, que uma parcela da jurisprudência já vinha admitindo ações de alimentos ajuizadas diretamente pelo nascituro, argumentando que o art. 2º do Código Civil põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, enquanto outra camada jurisprudencial negavalhe a legitimidade para o direito de ação, deixando-o ao desamparo, sob o pretexto de que ele não tem personalidade jurídica senão após o nascimento com vida.
E, mesmo a corrente que lhe franqueava o acesso ao judiciário, impunha-lhe como requisito a demonstração prévia do vínculo de paternidade, dificultando sobremaneira o sucesso deste tipo de ação.
A Lei n. 11.804, de 05 de novembro de 2008, ao regular os alimentos gravídicos, conferindo legitimidade ativa à própria gestante, acabou com a imunidade dos homens, de modo que estes, a partir de então, tornaram-se também responsáveis pelas despesas decorrentes da gestação, propiciando a nova lei a reconciliação entre o Direito e a Justiça.
CONCEITO E CONTEÚDO
Alimentos gravídicos são os destinados a cobrir as despesas decorrentes do período da gravidez.
Referidos alimentos visam atender às seguintes
despesas:
a) alimentação especial;
b) assistência médica e psicológica;
c) exames complementares;
d) internações;
e) partos;
f) medicamentos;
g) demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do
médico, além de outras que o juiz considerar pertinentes.
Este rol, como se vê, não é taxativo, pois outras despesas pertinentes podem ser consideradas pelo juiz.
LEGITIMIDADE ATIVA
O direito aos alimentos gravídicos é titularizado pela mulher gestante, sendo, pois, ela a parte legítima para a propositura da sobredita ação, conforme se depreende da análise do art. 1º da Lei n. 11.804/08, independentemente de vínculo conjugal ou união estável com o suposto pai do nascituro.
Enquanto a ação de alimentos movida pelo nascituro é baseada na relação de parentesco, razão pela qual a jurisprudência exige a demonstração do vínculo de paternidade, dificultando, destarte, o êxito desta ação, nos alimentos gravídicos, a legitimidade ativa é da própria gestante, independentemente de existir entre ela e o suposto pai do nascituro casamento ou união estável, bastando apenas a existência de indícios de paternidade, não se exigindo que a relação de filiação seja demonstrada
cabalmente.
A legitimidade passiva é exclusiva do suposto pai, não se estendendo aos avôs paternos ou outros parentes eventuais do nascituro, cuja obrigação alimentar é sustentada na comprovação do vínculo de parentesco e não apenas em indícios. Nada obsta, porém, que o próprio nascituro, e não sua mãe, mova ação de alimentos contra os avôs paternos e outros parentes, nos moldes do art. 1.698 do Código Civil, mas, nesse caso, impõe-se que o vínculo de parentesco seja comprovado, de preferência por
exame de DNA, na própria ação de alimentos, mas estes alimentos não são gravídicos, pois o destinatário não é a gestante e sim o próprio nascituro.
Em havendo pluralidade de homens suspeitos da condição de pais da criança, creio que o litisconsórcio passivo só se justifica quando a autora houver sido vítima de algum delito sexual cometido por eles, em concurso de pessoas, ou comprovar o concubinato conjunto entre eles, devendo a sentença estabelecer a divisibilidade da obrigação entre todos.
Tratando-se, porém, de prostituta ou mulher depravada, que, no período da Concepção, deitou-se com vários homens,o litisconsórcio passivo representa uma confissão da pluralidade de relacionamentos, excluindo a existência de indícios veementes de paternidade sobre um ou outro réu, impondo-se, destarte, a improcedência da ação. Aliás, o réu acionado judicialmente pode na contestação invocar a “exceptio plurium concubentium”, cuja comprovação levará ao insucesso da demanda.
CRITÉRIO DE FIXAÇÃO
Os alimentos gravídicos são fixados como os outros, tendo, pois, por base o binômio necessidade e possibilidade.
O ônus da prova da necessidade é afeto à alimentada, amparando-se, para comprovação de certas despesas, em exames médicos.
Vale lembrar que o futuro pai não é obrigado a custear, na íntegra, estas despesas, porque a obrigação de alimentos é divisível. A propósito, sobre o assunto, dispõe o parágrafo único do art. 2º da Lei n. 11.804/08:
“Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição
que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.
DURABILIDADE
Em regra, os alimentos são fixados por prazo indeterminado, perdurando no tempo com a cláusula “ rebus sic stantibus ”, mas os gravídicos têm duração certa, restringindo-se ao período de gravidez,
cessando, para a parturiente, tão logo sobrevenha o nascimento.
São, pois, devidos à gestante no período de vida “intrauterina”, desde que se comprove a necessidade, e cessando com o nascimento, ainda que persista a necessidade. Vê-se, portanto, que a lei deixa ao desamparo a parturiente que, após o nascimento, passa a ter complicações em razão do parto, necessitando de verbas alimentares.
A partir do nascimento, os alimentos gravídicos têm os
seguintes destinos:
a) nascimento com vida: convertem-se em pensão alimentícia em favor do
menor até que uma das partes solicite a sua revisão ou exoneração
(parágrafo único do art. 6º da Lei n. 11.804/08);
b) natimorto: os alimentos extinguem-se automaticamente.
De acordo com Maria Berenice Dias:
“Quando do nascimento, os alimentos gravídicos mudam de natureza, se convertem em favor do filho, apesar do encargo do poder familiar ter parâmetro diverso, pois
deve garantir ao credor o direito de desfrutar da mesma condição social do devedor”.
De qualquer forma, esclarece a prestigiada jurista:
“Nada impede que o juiz estabeleça um valor para a gestante, até o nascimento e atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe alimentos para o filho, a partir do
seu nascimento”.
Discordo desse último parágrafo, pois a ação de alimentos gravídicos não tem o objetivo de criar vínculo definitivo de paternidade. Não se pode olvidar que o suposto pai, que figura como réu nesta ação, é condenado a pagar alimentos com base em meros indícios de paternidade, logo as verbas alimentares não podem ultrapassar o conteúdo fixado pela Lei n. 11.804/08, cujo objetivo é a tutela dos direitos do nascituro e da gestante. Para que o valor dos alimentos abranja outras despesas como
educação, alimentação, habilitação, saúde etc., é essencial a propositura de outra ação, seja apenas de alimentos ou investigação de paternidade cumulada com alimentos, na qual se permitirá a ampla discussão da paternidade, realizando-se, inclusive, os exames periciais pertinentes.
Ademais, cumpre ressaltar que a mãe, na ação de alimentos gravídicos, no que tange aos alimentos devidos a partir do nascimento, figura como substituta processual de seu filho, defendendo em nome próprio interesse alheio, e, como se sabe, a substituição processual só é cabível nos casos expressos em lei, de modo que ela não pode pleitear outras verbas que não aquelas compreendidas na Lei n. 11.804/08.
ASPECTOS PROCESSUAIS
A legitimidade para figurar no pólo ativo da relação processual, conforme já vimos, é da própria gestante e não do nascituro, figurando o suposto pai como sendo o réu da ação.
O foro competente é o domicílio da autora (alimentada), conforme prevê o art. 100, inciso II do Código de Processo Civil, porquanto o art. 3º da Lei n. 11.804/08, que previa, de forma absurda, o domicílio do réu, acabou sendo vetado pelo Presidente da República.
A petição inicial deve vir instruída com a comprovação da gravidez e dos indícios de paternidade do réu. Ainda que a gravidez seja inviável os alimentos gravídicos são devidos.
O juiz, ao despachar a inicial, convencendo-se da existência de indícios de paternidade, fixará liminarmente os alimentos provisórios (art. 6º da Lei n. 11.804/08).
Para a concessão da liminar não há necessidade de designação de audiência de justificação para ouvir a autora, o réu ou testemunhas. Esta exigência, que constava no art. 5º do projeto de lei, foi vetada pelo Presidente da República.
De fato, esta audiência de justificação não é obrigatória em nenhum procedimento, logo seria ilógico exigi-la justamente em ações de alimentos, que são guiadas pelos princípios da proteção integral e celeridade processual.
Foi também vetado o odioso art. 9º da Lei 11.804/08, que determinava a incidência dos alimentos só a partir da citação, pois, dessa forma, o réu se beneficiaria com a procrastinação do ato citatório. Assim, seguindo a trilha normal das ações de alimentos, o juiz deve fixá-los na data em que despacha a petição inicial, desde que haja indícios de paternidade.
Indícios, de acordo com De Plácido e Silva, “são circunstâncias que se mostram e se acumulam para a comprovação do fato, assim tido como verdadeiro”.
Os indícios são fatos conhecidos a partir dos quais se demonstra um fato desconhecido. Com efeito, considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
A título de exemplos desses indícios de paternidade, podemos citar: cartas ou e-mails em que o suposto pai admite a paternidade, comprovação de hospedagem do casal em hotel ou pousada no período da concepção, inseminação artificial consentida, fotografias que comprovem o relacionamento amoroso no período da concepção etc.
Se, porém, a autora não juntar, com a petição inicial, indícios consubstanciados em papel, o magistrado, para apreciar a liminar, não terá outro caminho senão a designação de audiência de justificação, onde poderá ouvir as partes e testemunhas arroladas, requisitando, se o caso, documentos que estejam em poder de terceiros.
Após a apreciação da liminar, o réu será citado para apresentar resposta em cinco dias. Havendo oposição à paternidade, o juiz não pode impor a realização de exame de DNA por meio da coleta de líquido amniótico, porque isto pode colocar em risco a vida da criança, além de procrastinar o andamento processual.
A obrigatoriedade do exame pericial, que constava no projeto de lei, foi vetada.
É silente a lei acerca do rito processual, mas ao prever a apresentação da resposta, em 05 (cinco) dias, antes da audiência, força convir que não é possível a adoção do procedimento previsto na Lei n. 5.478/68, que prevê a apresentação da resposta na audiência, de modo que,após a resposta, o rito é o ordinário.
Vale lembrar que a ação de alimentos gravídicos visa fixar a relação de filiação com base em indícios de paternidade, não se exigindo a certeza, conferindo para o suposto filho uma tutela jurisdicional provisória, similar à concedida nas ações cautelares e possessórias,porquanto após o nascimento o vínculo de paternidade pode ser desconstituído mediante ação de exoneração na qual se poderá realizar o exame de DNA.
Todavia, ainda que o suposto pai não ingresse com esta ação de exoneração, o vínculo parental, que se fixou na ação de alimentos, é restrito ao objeto desta ação,sujeitando-se apenas à coisa julgada formal (efeito endoprocessual), de modo que o reconhecimento pleno, com força de coisa julgada material (efeito pan processual), deve ser buscado em ação autônoma de investigação de paternidade.
DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO
A ação de alimentos gravídicos movida contra quem não
era verdadeiro pai traz à baila a discussão de duas questões.
A primeira é a responsabilidade civil pelos danos
materiais e morais na hipótese de improcedência da ação.
A segunda diz respeito à repetição de indébito quando,
malgrado a concessão da liminar de alimentos provisionais, a ação, no final,
acaba sendo julgada improcedente, ou, então, não obstante a procedência,
opera-se a exoneração do devedor, em ação posterior, pela comprovação em
exame DNA ou outras provas, da ausência do vínculo de paternidade.
Sobre a primeira questão, o art. 9º do projeto da lei dos
alimentos gravídicos preceituava:
“Em caso de resultado negativo do exame pericial de
paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos
danos materiais e morais causados no réu.”
Referido dispositivo, que afrontava o princípio
constitucional do acesso à justiça, prevendo direito à indenização pelo
simples fato de ter sido acionado judicialmente, acabou vetado.
De fato, conforme observa a Desembargadora Maria
Berenice Dias, esta possibilidade criava perigoso antecedente, abrindo
espaço a que toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta conferisse direito
indenizatório ao réu.
Todavia, não obstante o veto, a brilhante civilista Regina
Beatriz Tavares da Silva pronuncia-se pelo dever de a autora indenizar o réu
invocando, para tanto, o art. 186 do Código Civil, que prevê a
responsabilidade subjetiva, isto é, condicionada à presença do dolo ou culpa,
argumentando que o veto visou eliminar apenas a responsabilidade objetiva
da autora, o que lhe imporia o dever de indenizar independentemente da
apuração da culpa e atentaria contra o livre exercício do direito de ação.
Discordo parcialmente dessa orientação, pois a invocação do art. 186 do Código Civil tornaria indenizável praticamente todas as hipóteses de improcedência da ação, pois evidentemente age, no mínimo com culpa, a mulher que atribui prole a quem não é o verdadeiro pai.
A responsabilidade civil por imputação de falsidade em processo judicial não pode escorar-se apenas na culpa, sob pena de violação do princípio do acesso à justiça. Temerárias com esta conseqüência as pessoas certamente não se animariam à propositura de ações judiciais.
A meu ver, somente diante de prova inconcussa irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelos danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa. Se, não obstante a improcedência da ação, a autora tinha motivos para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há falar-se em indenização.
A segunda questão, repetição da quantia paga injustamente, é resolvida pelo princípio da irrepetibilidade dos alimentos, cuja exceção só seria viável mediante norma expressa. Portanto, não é lícito ao suposto pai mover ação judicial para reaver da mãe do nascituro os alimentos pagos, porquanto os alimentos visam garantir a sobrevivência da pessoa, e, por isso, não há falar-se em enriquecimento à custa de outrem, afastando-se, destarte, a possibilidade de invocação do art. 884 do Código Civil.
É, no entanto, cabível ação “in rem verso” contra o verdadeiro pai, desde que este tenha agido com dolo, silenciando intencionalmente sobre a paternidade, locupletando-se indiretamente com o pagamento dos alimentos feito por quem não era o genitor da criança.
Outra questão interessante surge quando o alimentante não efetua o pagamento dos alimentos gravídicos, a que fora condenado, movendo, posteriormente, ação de exoneração, comprovando, mediante DNA, que não é pai da criança. Nesse caso, poder-se-ia questionar a persistência ou não da obrigação de pagar os alimentos gravídicos em atraso.Impõe-se resposta positiva, porquanto a sentença de exoneração tem eficácia
“ex nunc”, e, ademais, não pode substituir a ação rescisória, que é o meio processual para desconstituir a sentença anterior. Assim, somente por ação
rescisória o alimentante poderia libertar-se da obrigação de pagar o débito em
atraso. Se, porém, no mesmo processo, sobrevier sentença de improcedência
da ação de alimentos gravídicos, os eventuais débitos em atraso, oriundos da concessão da liminar, não serão devidos, porquanto esta sentença tem
eficácia “ex tunc”, cassando os efeitos da liminar anteriormente concedida.
PRISÃO CIVIL
È cabível a prisão civil do devedor de alimentos gravídicos, pois o artigo 11 da Lei 11.804/08 reporta-se à lei 5478/68, que regulamenta a sobredita prisão. Ademais, trata-se de alimentos de direito de família, e, por isso, não há razão plausível para a exclusão da prisão civil.
DIREITO SUCESSÓRIO
Vencendo a ação de alimentos gravídicos, e falecendo posteriormente, sem que tivesse recebido os valores devidos, é possível discutir o destino dos alimentos em atraso.
Uma primeira corrente aplicará o disposto no artigo 1829 do Código Civil, partilhando o crédito entre todos os descendentes da autora.
Outra corrente destinará este crédito apenas ao filho, na época nascituro, que possibilitou o ajuizamento da ação de alimentos gravídicos, tendo em vista que a pensão visava beneficiá-lo, titularizando, por via por via indireta, estes valores.

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